sexta-feira, 29 de julho de 2011

Zero

(...)
"Vai tudo ficar bem.", foram exactamente estas as ultimas palavras que ela lhe disse. O olhar dela, enfeitado pela chuva torrencial que o seu olhar nublado fazia cair, era vazio. Ele conseguia ver isso, mas acreditou naquelas palavras. «Porque é que ela mentiu?» pensou ele para si próprio, enquanto tirava a caixa de fósforos da mochila. A verdade é que nada ficou bem. Dia após dia ele viu-a a piorar. Viu a neblina dos olhos dela tornar-se cada vez mais densa, acabando por esconder toda a vida que eles tinham. O que lhe doía mais não era o facto de ela ter partido. Era o facto de ela ter mentido. Ela não tinha necessidade.
O rapaz pegou na caixa de fósforos, aproximou-se de um pequeno trilho líquido que estava no chão daquela casa e acendeu-o. «Adeus.» sussurrou baixo, enquanto observava a casa arder. Tinha um pedaço de papel na mão que tinha escrito em si o numero um. Pegou numa caneta que tinha no bolso, riscou o um e escreveu um zero por cima. Atirou o papel para as chamas e quando este terminou de arder virou costas e seguiu o vento. Não tinha para onde ir de qualquer das formas.
(...)
Sentado na esplanada de um café lembrou-se de um pequeno barco que tinha. Fitou o céu limpo durante alguns segundos, respirou fundo e levantou-se. Dirigiu-se ao balcão do café e perguntou se a senhora lhe podia dispensar um papel e uma caneta. Esta acedeu ao seu pedido e ele agradeceu. No papel podia ler-se numa letra bastante bonita um solene Adeus.
(...)
Já no barco, preparado para partir para alto mar reparou numa pequena menina que olhava fixamente para ele, agarrada ao seu urso de peluche. Atirou-lhe um sorriso mas ela não respondeu de volta.
- Onde é que o senhor vai? - perguntou ela atrevidamente e com um ar sério desadequado a uma criança.
- Eu? Eu vou viajar. Vou para alto mar.
- Vai partir para não voltar?
- Que raio de pergunta!
- Sabe senhor, eu era pequena quando me sentei neste mesmo sítio e vi o meu bisavô partir para alto mar. Ele disse o mesmo que você. Tinha os mesmos olhos que você. Ele não voltou. A situação repetiu-se com o meu avô e com o meu pai também.
- Não faço intenções de voltar, é verdade.
- Porquê senhor? Não tem gente importante para si? Não acha que elas iram ficar tristes? Eu fiquei triste! - disse a criança gritando, com os seus olhos mostrando uma mistura de raiva e tristeza.
- Pessoas importantes? - disse o homem enquanto se ria. - Não. Zero. Já as perdi todas.
A criança não respondeu. O homem partiu para alto mar. Nunca mais voltou.

Sem comentários:

Enviar um comentário