sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Reflexão intemporal do que é real e do que não é.

O rapaz fechou os olhos e quando os abriu estava numa praia. Julgou ter ultrapassado os limites do pequeno patético ser humano e atingido o patamar de uma divindade, tendo absoluto controlo daquilo que o rodeava, podendo alterar o ambiente a seu bel-prazer. "Porque não?", pensou para si. Mergulhou tão profundamente nessa sensação de poder que se instalara dentro de si, que demorou a reparar que não estava só no vasto areal. Sentiu-se como se tivessem invadido o seu território sagrado. Sentiu-se como um pequeno patético ser humano se sente quando alguém descobre um segredo íntimo que só ele (e as duas dezenas de pessoas com quem o partilhou ingenuamente) deveria saber. A fina areia branca perdia assim todo o seu encanto e a suave brisa maternal começava a repugna-lo. A pessoa que se encontrava mais perto era um homem barbudo, meio calvo e que devia estar nos seus cinquenta anos. Aproximou-se do homem e perguntou-lhe o que estava ali a fazer e como tinha chegado ali. Perguntou mais do que uma vez, todas sem sucesso. O homem continuava a olhar para o livro, como se desligado do mundo. Como se não estivesse ali realmente. O rapaz assumiu que era apenas um homem mal educado e aproximou-se de um senhor mais jovem que também estava ali perto. O homem aparentava ser pai de família. Não sei bem explicar porquê mas tinha todo o ar disso. Se calhar era porque de minuto a minuto tirava os olhos do jornal para observar duas crianças que construíam castelos de areia. Ou então estava para casar e a noiva estava grávida. Ou era infértil e desejava ter filhos. Há um leque de opções bastante grandes, mas a de que ele é o pai das crianças ajuda a tornar a coisa menos negra. Voltou a fazer as mesmas perguntas que fez ao homem barbudo. As mesmas perguntas, as mesmas respostas. O homem continuou a ler o jornal e, de minuto a minuto, olhava para as crianças. Era como uma cassete estragada. Ninguém gosta de cassetes estragadas. O rapaz começava a ficar seriamente enervado. Aproximou-se das duas crianças e pontapeou violentamente os castelos. Estas nem pestanejaram. Rindo e brincando continuaram o ritmo frenético a que os construíam. Quando o rapaz olhou para o local onde estariam os castelos que ele destruiu, ficou ainda mais nervoso. Era como se ele nunca tivesse feito nada. Os castelos estavam ali, pequenos mas firmes e imponentes. Ficou com a ideia que se riam dele. Ficou com a ideia de que também o vento se ria dele. Cada vez que o rapaz voltava a pontapear o castelo, o vento soprava com força e, com uma velocidade impressionante, colocava os castelos em pé novamente. Desejou que o vento desaparecesse. "Afinal, eu sou o Deus deste sítio!" disse. Desejou com todas as suas forças que o vento desaparecesse e nunca mais voltasse, que aquele fosse um mundo sem vento. Quanto mais desejava, mais o vento lhe batia na cara. Toda a sensação de poder que tinha tido antes esfumou-se. Cada vez ficava mais nervoso e começou a culpar as pessoas. A culpa era delas, afinal, se elas não tivessem ali, nada tinha acontecido. Desejou com todas as suas forças que elas desaparecessem. Desta vez o seu desejo foi realizado. Tal e qual como a sensação de poder se esfumara, o mesmo aconteceu com as pessoas. O vento soprou forte e, como se de areia se tratassem, as pessoas foram levadas. Nenhuma delas mostrou um único sinal de sofrimento, agonia ou sequer uma reacção. Até desaparecerem completamente continuaram os seus movimentos rotineiros, como se de máquinas se tratassem. O rapaz sentiu-se mais calmo. Estava, finalmente, sozinho no seu Éden. Ficou ali durante dias a observar o mar e o horizonte. Reparou que nada tinha mudado. As ondas ondulavam de forma constante, sempre à mesma velocidade, com a mesma altura. O sol não se tinha posto, nem sequer se tinha movido da sua posição. Desde que as pessoas tinham desaparecido que aquele mundo tinha parado de funcionar. "Que problemático.", suspirou o rapaz.

1 comentário:

  1. ADOREI!
    Toca a actualizar isto regularmente, já sentia falta de ler algo teu!
    <3

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