quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Mãe, como é que nasceram as estrelas?

Acho que já todos, pelo menos uma vez, fizemos esta pergunta.Foi daí que nasceu o texto nada cliché que se segue.

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«Mãe, de onde vieram as estrelas?» perguntou a criança irrequieta. Sabia bem que era a sua hora de dormir mas não tinha vontade. Atormentava-lhe a ingénua mente as estrelas que iluminavam o seu quarto através da clarabóia que tinha por cima da cama. A mãe, apanhada de surpresa pela questão, sentou-se num cadeirão, perto da cama, em silêncio. A forma como passava a mão pelos longos cabelos dourados fez a criança perceber que ela estava a pensar. Era o gesto habitual que a mãe fazia enquanto pensava.
- Bom, não vale a pena tentar escapar-me, pois não? Irias insistir de qualquer maneira e se eu não contasse hoje teria de contar amanhã. É uma história longa, é bom que não adormeças antes do fim! - respondeu a mãe à pergunta da sua filha. Num ápice a criança sentou-se na cama, com os seus olhos verdes bem abertos e fixados nos da mãe.
- Tudo começou há alguns anos. Não te sei dizer ao certo quantos, mas os suficientes para não seres nascida na altura. Naquela altura as noites eram assustadoras. No céu apenas a Lua se fazia mostrar. Mas nem sempre a Lua lá estava. Havia dias que a Lua não aparecia e essas noites eram as piores. O mundo ficava mergulhado numa escuridão aterradora. Era como se, durante algumas horas, todos fossemos cegos e tudo o que restasse fosse o nosso tacto, a audição, o paladar e o olfacto. Com o amanhecer, amanheciam todos os acontecimentos bizarros da noite. Mortes e raptos eram apenas os mais frequentes. Principalmente a crianças, que no escuro perdiam a noção de onde estavam os seus pais e acabavam por ir parar às mãos erradas. Raros eram os casos em que voltavam a aparecer. Enquanto tudo isto acontecia na Terra, no Espaço as coisas eram diferentes. Contam as histórias que no Espaço, sentado em cada Lua, de cada planeta, havia um rapaz. Um rapaz sem nome. Um rapaz sem nada. Um rapaz do espaço. A Terra não era excepção, também tinha o seu Rapaz do Espaço. Era um Rapaz pequeno, com roupas brancas e um cabelo cinzento que lhe tapava os olhos. Consta que ele não gostava de ver o que acontecia na Terra. Não gostava do mal, da ganância, da guerra. Portanto, ele não fazia nada. Ficava apenas sentado na Lua, com os olhos tapados pelo seu cabelo, agarrado aos joelhos. Durante muito tempo assim foi. Ele apenas fazia algo quando sentia que o equilíbrio do planeta estava em perigo, caso contrario ficaria no seu sítio, sentado, em paz. Preferia assim. Passado um período de tempo indeterminado o Rapaz afastou o cabelo de um dos olhos. Ele sabia que se tinha passado muito tempo desde a última vez que o tinha feito. Desta vez não iria ver pessoas a carregar blocos de pedra enormes enquanto eram chicoteadas, pelo menos era o que ele queria acreditar. Quando começou a olhar para a Terra fixamente viu que nada tinha mudado. As pessoas continuavam a pisar-se sem pudor, ignorando o que o outro pudesse estar a sentir. As pessoas ainda matavam. Não morriam de exaustão ou sede enquanto carregavam blocos de cimento, era certo, mas morriam fuzilados por armas de fogo, queimadas vivas ou em jogos doentios. Sentiu as forças vitais fugirem-lhe enquanto observou um soldado, provavelmente um general, ordenar um grupo de condenados a atravessar um rio recheado de minas terrestres prometendo-lhes que os que voltassem seriam soltos. Dos oito que partiram, só dois voltaram. Esses dois foram abatidos a tiro no momento em que concluíram a travessia. Quase perdeu a esperança. Pensou para si próprio que, já que tinha arriscado, não iria desistir ali e iria ver o resto do planeta também. Enquanto via o planeta os seus olhos acabaram por ficar presos numa rapariga. Tinha olhos verdes, como uma esmeralda, e um cabelo loiro. Ficou a observa-la durante algum tempo. Sentiu-se esquisito por o estar a fazer. Será que ela sabia que ele estava a observa-la? Provavelmente não. Até era melhor assim. Se soubesse, iria acabar por achar tudo aquilo bastante assustador. Como a noite. A rapariga caminhava rumo a algum sítio com um grupo de raparigas que, pouco a pouco, iam ficando pelo caminho, como uma fileira de soldados que vai gradualmente perdendo os seus membros durante o decorrer da guerra. Chegado a um certo ponto, a rapariga seguia sozinha. O Sol no horizonte começava a fechar os olhos e a rapariga começava a acelerar o passo. Sabia que aquilo era um aviso de que dentro de algum tempo a visão seria um sentido que se tornaria inútil. O Rapaz apercebeu-se de dois rapazes que seguiam a rapariga. Consoante o ritmo da sua caminhada se alterava, o deles também. Ingenuamente o Rapaz ficou quieto a observar. Assumiu que seria apenas uma casualidade ou dois amigos na brincadeira. Essa ideia manteve-se até ao momento que os dois rapazes abordaram a rapariga, tentando tirar-lhe a mala enquanto a ameaçavam com uma arma branca. O Rapaz levantou-se em pânico. Aquela sensação de paz e calma que a rapariga lhe transmitia estava ameaçada. Aquela rapariga que lhe estava a oferecer tantas coisas novas de uma forma tão simples estava ameaçada e ele não sabia o que fazer. Pela primeira vez na vida não conseguia pensar. Não conseguia desenvolver mais que uma vogal ou uma consoante na sua cabeça. Nesse momento apareceu um senhor a seu lado. Um senhor com uma certa idade, também vestido de branco e com uma bengala preta com detalhes em dourado. Pediu ao Rapaz que se sentasse, que a rapariga estava segura, ele havia parado o tempo no planeta. O Rapaz sentiu necessidade de confirmar com os seus próprios olhos. Era verdade, estava mesmo tudo parado no planeta. Sentia o equilíbrio do planeta ameaçado, mas o velho impediu-o de fazer algo, dizendo que estava tudo bem. Sentaram-se os dois, ao lado um do outro. Durante tempos ficaram em silêncio. Foi o velho a dar o primeiro passo na conversa, perguntando-lhe se ele tinha noção das consequências do que ia fazer. O Rapaz respondeu que não, mas que também não queria saber, apenas queria fazer o que achava que tinha de fazer, justificando isso com tudo o que aquela rapariga lhe tinha oferecido. O velho levantou-se e disse que o Rapaz estava perdido, esboçando de seguida um sorriso e desaparecendo. O Rapaz levantou-se e encaminhou-se para a Terra. No local onde a rapariga estava em perigo um enorme clarão começou por iluminar o céu, aproximando-se do solo acabando por produzir uma luz tão forte que impedia toda a gente de abrir os olhos. Era algo irónico como tanto na luz, como na escuridão, a sua visão lhes era negada. Quando a luz desapareceu e a rapariga abriu os olhos estava tudo bem. Estava sozinha novamente, os dois rapazes tinham desaparecido e a mala ainda estava consigo. Correu até casa, mais assustada pelo enorme clarão de luz e pela forma como os dois rapazes se evaporaram do que pelo que assaltado falhado de que tinha sido vitima. O Rapaz voltou para a Lua, sentou-se e sentiu tudo em si desvanecer. Pensou para si que seria aquela a consequência de ter descoberto o que eram os sentimentos mas que, apesar disso, não tinha sido em vão. Ele ia desaparecer, era certo, mas levaria consigo a certeza de que tinha feito o que era correcto e tinha descoberto algo que muita gente nunca descobriu: a chave para a felicidade. O Rapaz desfez-se em pó. Não era um pó normal, era um pó luminoso de várias cores. Os outros rapazes do espaço tinham observado atentamente o que aconteceu. Um a um, sorrateiramente, escaparam das suas luas e vieram à Lua da Terra. Cada um pegou num grão de pó e, perto da Lua, fizeram força de forma a unir cada grão, na esperança que o seu companheiro voltasse à vida. Em vez disso, o que obtiveram foi algo semelhante a uma esfera luminosa. Luminosa o suficiente para brilhar na escuridão que se fazia ver na noite terrestre. Para os rapazes do espaço, aquilo era o coração do seu amigo. Para nós, terrestres, chamámos aquilo de estrela. Foi assim, que apareceram as estrelas.
Terminada a história Carolina estava fascinada. Com um sorriso pacífico no rosto aninhou-se nos lençóis e não demorou muito a adormecer. A mãe, perdeu algum tempo a olhar pela clarabóia para uma estrela que brilhava incessantemente no céu, mais que todas as outras.
- Boa noite. - sussurrou ela, enquanto abria a porta do quarto para deixar a sua filha dormir.




Crow.

2 comentários:

  1. Adorei, adorei...como sempre! Não poderia esperar outra coisa vinda de ti, meteoro.
    Este é, sem dúvida, um dos meus favoritos da tua autoria. : )

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  2. Soube do teu potencial no primeiro dia que ouvi alguém ler um poema da tua autoria. Lembro-me de, nesse momento, pensar que nunca antes tinha conhecido alguém que escrevesse dessa forma.
    Para ti, escrever é algo inato, e (só) isso explica o teu deslizar de lápis tão simples no papel. Como se nada forçasses, é algo que te é natural.
    Muitas foram as vezes que te observei em silêncio enquanto escrevias nas aulas. Acabaste por te aperceber que tinhas mais uma fã, e passaste a mostrar-me tudo quanto escrevias nesses teus momentos de inspiração. Nem imaginas como ficava feliz quando o fazias. O que tinha começado com uma grande admiração acabou numa grande amizade.
    Sempre tiveste algo que nunca consegui ter (daí muitas vezes me ralhares) e que dificilmente vou alcançar. Tu sabes que tens grandes capacidades, tens noção do teu enorme valor. É nessa verdade que tens de continuar a acreditar. E, no que depender de mim, vou continuar a dar-te certezas disso mesmo, até ao fim.
    Admirei-te, primeiramente, por teres este dom louvável... Depois, por teres noção do quanto valias... E, por último, admirei-te enquanto Amigo. E sinto, por tudo isso, um enorme orgulho, meu eterno Meteoro.
    Adoro-te.

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